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Isso de o dinheiro não comprar a felicidade é uma armadilha da infelicidade. Ela quer que todos pensem - ah, não vale a pena ganhar dinheiro, assim não seremos felizes. Vamos mas é ser pobrezinhos. Romeu pensava assim enquanto contemplava a paisagem. Aquela paisagem nunca seria reproduzida num postal. Quem no seu juízo perfeito iria fazer uma edição de postais com a vitrine duma pastelaria? Romeu nem era guloso. Faminto sim. Naquele momento qualquer coisa que comesse iria fazer toda a diferença. Até um fardo de palha. 

 

Vai desejar alguma coisa?

 

Desejar já desejava. Aquela pergunta era despropositada. Levantou a cabeça quase enfronhada na vitrine, na retina ainda a imagem duma queijada de amêndoa e deu de caras com uns maravilhosos olhos castanhos amendoados. Meu deus, até a empregada leva amêndoa. Devo estar a alucinar.

 

Estou só a tentar decidir-me

 

 

 

 

Ah, fique à vontade

 

Essas frases pré-fritas incomodam-no. Preferia que ela dissesse qualquer coisa como despache-se que tenho mais que fazer. Assim parecia-lhe uma exclamação do oficial de dia, na parada. Estar com fome e não poder comer é desgastante. Naquele momento desejou que a vitrine à sua frente fosse uma manjedoura carregada de ração perfeitamente disponível, reabastecida duas vezes ao dia. A empregada tinha-se afastado discretamente e fazia ao lado a mesma pergunta a outro cliente que não hesitou. Já tinha decidido que levaria um contentor de bolos para casa. Outra empregada surgiu do fundo da loja e desta vez usou uma fórmula diferente.

 

 Posso ajudá-lo?

 

 Claro que me pode ajudar - quero um bolo de bolacha, duas trufas de chocolate, um palmiére. É para juntar tudo à conta daquele senhor.

 

Romeu rosnou isso mentalmente, com os olhos pregados na vitrine de modo que a empregada se viu na necessidade de insistir.

 

Tudo o que está aqui é uma delícia

 

Sim, mas é que nem tenho fome, acabei de almoçar...É mais olhos que barriga...

e soltou um risinho  satisfeito por se ter lembrado do dito.

 

Acho que afinal não vou levar nada, obrigado

 

 

Era mentira. Com um  largo sorriso recuou dois passos na direcção da saída.

 

Sim senhor

 

A empregada despedira-se também com um sorriso sem desconfiar de nada e atendia agora outro cliente. Romeu escapuliu-se para o exterior do estabelecimento, ufano. Tinha conseguido surripar o lanche. E também o almoço e o jantar. E já agora o pequeno almoço. Escondidos no olfacto. Quem precisa de comida se tem imaginação?

O assaltante de odores - uma história da crise

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